Eu poderia dizer que Dedina Bernardelli é uma grande atriz do teatro brasileiro, com um currículo expressivo de não sei quantas peças, transitando irretocável do mais recatado cenário clássico, de "Yerma", por exemplo, até a extravagância modernista de "Jukebox, uma ficção científica musical". Eu poderia dizer das tantas novelas que o Brasil inteiro viu, dos não sei quantos filmes, dos prêmios que com toda essa trabalheira ela abiscoitou - mas o curriculum vitae de Dedina, em alguma aba deste site, já resume isso. Dedina é assaz conhecida.
A primeira vez que a vi, no entanto, eu desconhecia absolutamente tudo isso. Eu jamais a tinha visto onde quer que fosse, e fiquei muito à vontade com esta ignorância cultural porque ela me devotava o mesmo profundo desconhecimento. Éramos duas pessoas que se ignoravam com todo o rigor, reunidos por acaso numa noite alegre, na festa de uma amiga chique, doutora na coleção do MoMA, de Nova York.
Não sei como começamos a conversar, mas me lembro que estávamos à beira de um bar e imediatamente me ficou a impressão de que ainda carrego sempre que encontro ou penso nela. Dedina é uma mulher evidentemente muito bonita. Se Magrite alongava o pescoço das suas musas, quem fez a arte final de Dedina preferiu marcar sua obra com o desenho de uma boca incomparavelmente bem recortada que se alonga comprida por uma centimetragem interminável de vários matizes de rosa e fantasias. Dedina é ainda loura, olhos verdes, saboneteiras no lugar e carrega, na medida e nada mais, todos aqueles requisitos que Vinicius de Moraes detalhou no poema "Receita de Mulher". Tudo isso me cala fundo, não vou negar. Mas quando penso em Dedina Bernardelli, que me perdoe Vinicius, eu prefiro Manuel Bandeira.
O velho bardo do Castelo contou uma vez a história de um rapaz que se declara de um jeito desengonçado à namorada, vai procurando atabalhoado as palavras, os elogios e no final manda o elogio à amada: "você é engraçada! Você parece louca!".
Dedina tem humor, essa pílula de vida do Dr. Ross que faz bem ao fígado e à existência de todos nós. Beleza é fundamental, estou de acordo com Vinícius, que Deus conserve no melhor dos seus bálsamos aquelas que nos desfalecem os sentidos com o êxtase inigualável de sua simples aparição. Mas mulher bonita que faz rir me parece a imagem mais próxima de um velho anúncio que eu, adolescente, via nas páginas dos classificados do Jornal do Brasil.
As mulheres se descreviam com todos seus atributos, algumas morenas e peludas; outras, louras e a domicílio - mas havia aquelas que se diziam "Completinhas". Até hoje não encontrei uma, todas maravilhosamente humanas e com alguma falha inerente à produção de humanos. A todas, o meu beijo agradecido.
A "completinha" que mais se aproxima do anúncio que me alumbrou a adolescência é a mulher bonita que ri muito e faz quem estiver com ela rir muito mais ainda. Dedina o é. E eu só escrevo uma frase metida como essa, decorada pelo pedantismo do pronome, porque sei que em seguida ela vai fazer o que lhe é de mais sublime - cair na gargalhada.
Novembro de 2016